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Responsabilidade natural, uma abordagem zen budista

Atualizado: 12 de out. de 2021


Uma das maiores riquezas dos ensinamentos do mestre Dogen é seu componente de atemporalidade. Ainda que expressos no século 13, a sabedoria que é contida neles nos é acessível agora, no século 21, em que convivemos com todas as complexidades de uma cultura centrada prioritariamente na informação e na superficialidade das análises.


Em sua profundidade, mestre Dogen nos revela o caráter paradoxal da sabedoria autêntica. Devemos redescobrir um sentido na própria impermanência, mesmo em suas manifestações mais desafiadoras, como a morte. Somos encorajados a trilhar um Caminho no qual já estamos e que, em essência, até mesmo já somos. Na mesma realidade em que nos deparamos com o sofrimento, encontramos a fonte da possível realização. Existe uma unidade na Prática, nos ensinamentos e na realização.

Esses aspectos são apenas alguns poucos exemplos da magistral habilidade de mestre Dogen em nos alertar para o caráter de Hotsubodaishin, o despertar da mente desperta, o que nos é possibilitado pelo uso do pensamento discriminativo. Isso não equivale a dizer que a mente dualista é como a mente do despertar, mas sim que por meio dos pensamentos podemos gerar o pensamento do despertar.

Em conexão desses ensinamentos com nossa responsabilidade perante os sistemas da Vida, é importante recordar que Buda segurou silenciosamente uma flor em frente à grande assembléia, ao que Mahakashyapa respondeu com um sorriso. Vale destacar que foi uma flor, e não um cartaz, um livro ou um objeto considerado sagrado. Buda não realizou um milagre extraordinário, naquele momento. O milagre está na existência de uma flor normal, como todas as outras, e por isso mesmo dotada de uma natureza efêmera e ao mesmo tempo perene.

No Caminho, também aprendemos sobre as manifestações das sabedorias-Buda, e o acolhimento é convencionalmente a primeira delas. Dogen nos ensina: “O Caminho de Buda está originalmente para além da abundância e da escassez. Ainda que amemos as flores, elas murcham; e ainda que detestemos as “ervas-daninhas”, elas crescem.” Por conta desses encorajadores desafios, destaca-se a importância de Gyoji, a prática constante. Ainda de mestre Dogen, temos: “Vivenciar plenamente a impermanência e a vacuidade é a realização da Natureza-Buda”, e “Zazen á a fonte de todas as práticas budistas.” Já um grande professor que aprecio muito e que considero uma fonte de inspiração constante, Kodo Sawaki Roshi, nos ensinará que “...todos os outros elementos são meras notas de rodapé para a prática do zazen.”

Considero evidente a constatação lógica de que falar de “meio” - ambiente é inadequado. O ambiente, por conta da interdependência manifesta no cossurgimento, é gerado continuamente pelo tecido relacional da Sanga de todos os seres. Nesse sentido, não há partes sem o Todo, na mesma proporção em que não há Todo sem as partes. Se resumirmos radicalmente, não há partes, nem há Todo.

Nessa dinâmica complexa, assume importância considerarmos o conceito de Ecofilia, a atitude de amorosidade fraterna para com todas as manifestações da Vida.O cultivo dessa atitude requisita a humildade de uma postura de não-saber, que é a base do conhecimento correto e a origem fundamental de uma postura não-violenta perante as realidades. Me agrada a imagem, que aprendi com Jean-Yves Leloup, de que o conhecimento é como uma ilha, a qual ao crescer demonstra progressivamente a vastidão do oceano de não-saber que a circunda.

Finalmente, considero importante destacar que, quando nascemos, um mundo nasceu; quando morremos, um mundo desaparece. O que geramos é o nosso mundo particular. Desse modo, é decisivo nesse momento da história humana que expressemos uma atitude de não-saber, uma autenticidade baseada na experiência, e ações que expressem esses dois aspectos. E que isso se manifeste com uma mente desapegada dos resultados, sem expectativa de ganhos. Que possamos apreciar nossas vidas preciosas, a cada momento. E que os méritos de nossas Práticas se estendam e toquem o coração-mente de todos os seres.


Koho Mello – primavera/2021

Zürich Zen Center

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